Escrevendo um bom suspense – Parte II

Dando sequência ao post do mês passado, continuaremos falando aqui sobre o suspense - enquanto gênero, mas, principalmente, enquanto recurso

Retomada: o que é suspense?

Dando sequência ao post do mês passado, continuaremos falando aqui sobre o suspense – enquanto gênero, mas, principalmente, enquanto recurso narrativo. Como já foi dito no post anterior (Dicas para escrever um bom suspense):

Suspense, termo inglês, é aquilo que mantém a expectativa ansiosa sobre uma resolução ou o, estado de tensão numa determinada situação. Trata-se, no âmbito da, arte (literatura, teatro e cinema), de um recurso que, visa a expectativa impaciente do telespectador ou do leitor pelo desenvolvimento de uma ação. É um estado de espírito provocado pela incerteza relativamente a um acontecimento futuro.

Disponível em: ,https://conceito.de/suspense

Ok, já sabemos disso. Mas existem muitos gêneros narrativos que nos deixam tensos, como romances policiais ou terror. Podemos ainda apontar o mistério, afinal, esse tipo de histórias também “postergam” a resolução dos conflitos.

Então, qual é a diferença entre todas essas coisas?

Suspense vs mistério vs terror

Mistério

O próprio sentido da palavra, de acordo com o dicionário, diz respeito àquilo que é secreto; que ainda não foi descoberto. Ou seja, uma história de mistério tem como ponto central da trama a busca por respostas, o que é feito através da descoberta de informações e deduções lógicas.

Nas palavras no mestre do suspense, o diretor cinematográfico Alfred Hitchcock,

“Há grande confusão, especialmente na minha área de atuação, entre as palavras mistério e suspense. São duas coisas absolutamente diferentes. O mistério é um processo intelectual no qual se adivinha “quem fez isso?”, mas o suspense é essencialmente um processo emocional.”

Disponível em: https://bibliomundi.com/blog/como-criar-suspense-em-uma-historia/

Ou seja, uma narrativa de mistério estimula o espectador a raciocinar logicamente sobre a trama, buscando pistas e formulando hipóteses para solucioná-la. E, nesse sentido, o suspense não tem nada a ver com o mistério; ele traz uma resposta emocional na plateia, que fica ansiosa e atônita para saber como as coisas vão se resolver.

Uma maneira de deixar isso bem claro é imaginar alguma cena dos livros do Sherlock Holmes, em que o detetive começa a realizar uma dedução a partir de diversas evidências que ele coletou observando uma cena. Ao lê-la, é claro que ficamos curiosos para descobrirmos sua conclusão ou acompanhar o raciocínio de Sherlock, mas não passa disso, curiosidade. Nós não adentramos aquele estado de tensão e expectativa que nos faz roer as unhas – o que seria o efeito do suspense.

Terror

Sim, mas… histórias de terror costumam nos deixar tensos e causam respostas emocionais muito fortes – como o medo e o susto. Então, qual a diferença entre eles?

Aqui é importante ter em mente que os gêneros e os recursos narrativos não são completamente isolados entre si. Muitas vezes, elementos como o suspense ou o mistério aparecem em uma narrativa de terror, de modo a acrescentar certos aspectos ao enredo (assim como, às vezes, o terror pode surgir em uma narrativa primariamente de mistério).

Como elaboramos no post (3 dicas para escrever histórias de terror), o terror tem a ver com aquilo que não queremos ver; com o medo, o estranhamento e o bizarro.

“Terror é sobre tragédia e infortúnio. Seja sob a forma de terror psicológico, visceral ou sobrenatural, o gênero é sobre o que nos aterroriza, o que nos faz sentir fora do controle e em contato com as partes mais dolorosas e, por isso, tabus de nossa existência.”

Odisseia

Suspense

O suspense é movido pela emoção, mas em uma paleta diferente de terror: enquanto este último nos deixa horrorizados com algo (o que pode ser um monstro ou uma situação), o suspense nos deixa apreensivos com o desenrolar da trama.

No suspense, nós não criamos um sentimento a partir do objeto da narrativa, mas a partir da estrutura da narrativa em si – a promessa de uma catástrofe que está por vir, mas que ainda dá espaço para que o público tenha esperança de que os personagens escapem. Para isso, não importa qual é a tragédia esperada, mas o fato que que sabemos que ela está para acontecer, mas não sabemos ainda o como ela vai se desenrolar; o suspense cria a expectativa, mas não necessariamente dá medo – ou tem a ver com o trabalho intelectual de uma investigação.

Em suma, para criar o suspense você deve dar ao leitor pequenas informações sobre o enredo (como: “algo terrível está para acontecer…”) e, então, continuar a narrativa mantendo certas lacunas, criando a expectativa do leitor, que espera esse acontecimento sem saber quando ele virá.

“Essas pequenas informações são como “promessas”, responsáveis por criar expectativa no leitor. Quando você remove as “promessas” da fórmula, o resultado não é suspense, é surpresa”

Disponível em: https://bibliomundi.com/blog/como-criar-suspense-em-uma-historia/

Alguns exemplos

Para deixar tudo mais claro, vamos dar alguns exemplos de histórias de diferentes mídias que usam suspense muito bem.

Dentre os clássicos, um nome que não pode deixar de ser mencionado é o de Edgar Allan Poe. Com suas histórias extraordinárias, o autor escreve sobre temas bizarros e assustadores, sendo uma fonte inspiradora para diversos outros gêneros – como o romance policial, que surge a partir das histórias de Dupin. Contudo, os textos de Poe foram publicados muito antes do surgimento do “thriller” (suspense) como gênero literário.

Como disse Hitchcock, muito inspirado pelo autor, “se eu estivesse fazendo ‘Cinderela’, todo mundo iria procurar pelo cadáver. E, se Edgar Allan Poe tivesse escrito ‘A Bela Adormecida’, procurariam pelo assassino” (HITCHCOCK, 1997, p. 145).

Um exemplo muito recente de suspense é a série alemã Dark, produzida pela Netflix. Sem dar spoilers, a trama se passa na cidade de ,Winden, onde o desaparecimento de uma criança expõe uma série de informações e conexões ocultas entre as famílias locais. Durante o seriado, os personagens descobrem uma sinistra conspiração de viagem no tempo.

Apesar de apresentar um enredo cheio de mistério – as viagens no tempo, sua origem e o aparecimento/desaparecimento de algumas crianças – o suspense é um elemento essencial de sua estrutura narrativa. A série nos dá acesso à informações que os personagens ainda não receberam, como a localização de Mikkel (o garoto desaparecido) e a existência das viagens no tempo. Além disso, o próprio conceito apocalíptico e de que “o fim é o início e o início é o fim”, do paradoxo das viagens temporais, criam inevitavelmente uma série de “promessas” do que vai acontecer.

Passando agora para uma outra mídia, os videogames, um jogo que pode ilustrar bem o funcionamento do suspense em provocar respostas no público é o INSIDE. Ele é um quebra-cabeça (puzzle) em plataforma, desenvolvido pela Playdead. A temática do jogo é bastante assustadora, onde o jogador controla um menino que luta por sua sobrevivência fugindo por uma paisagem escura – o que exige que ele resolva os quebra-cabeças.

Narrativamente falando, o jogo pode ser categorizado como terror – ou em termos mais complexos survival horror, já que o jogador busca pela sobrevivência do personagem em um universo hostil e aterrorizante. Apesar de seu gênero, a narrativa do jogo conta em muito com elementos que causam suspense no jogador, que está o tempo todo tenso com a perspectiva de uma morte violenta (o que acontece MUITAS vezes).

Esse recurso narrativo faz com que, nesse caso, o terror do videogame seja amplificado porque ele nos deixa mais nervosos e emocionalmente sensíveis aos seus horrores

e bizarrices. Vale notar que o jogo constrói o suspense de duas maneiras: pela temática da sobrevivência nessa espécie de “área 51 misturada com um campo de concentração” e pela própria estrutura visual do cenário.

No primeiro caso, o suspense surge a partir do momento em que caímos no meio dessa área hostil, que é a forma como o jogo começa: desde o começo existe essa ameaça que persegue o personagem; sabemos que podemos sermos pegos e morrer de diversas maneiras, mas ainda tentamos encontrar uma forma de sobreviver.

O outro elemento que colabora para esse clima em INSIDE é o funcionamento visual do jogo. O personagem tem, essencialmente, duas direções que pode seguir, para frente (direita) e esquerda; isso faz com que, uma vez superados os desafios anteriores, nós só possamos seguir em uma direção. Porém, em muitos momentos, prosseguir significa atravessar uma parede – a qual, é claro, não nos permite ver o que há no lado seguinte. Essa incerteza do que há à frente, alinhada com a expectativa de algo terrível e com a esperança da sobrevivência nos causa o suspense de forma muito efetiva!

Tendo passado por tantos exemplos, acredito que pudemos compreender o que é o suspense e como ele pode ser muito presente e significativo nas narrativas de diversos gêneros (inclusive o próprio thriller!). Em suma: quando você for escrever um suspense – seja uma única cena ou um livro inteiro – pense na expectativa que você pretende criar no leitor e como ela vai se alinhar com os outros elementos da história. O segredo de um bom suspense é não apressar as informações para o público, criando promessas ao invés de surpresas.

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